Ainda há índios e pistoleiros no quintal
da criança cerrada que destruía canteiros
cavando trincheiras, plantava flechas,
semeava granadas com seixos e pinhas e latas e
lenha na mola dos braços.
Vergou couves capturando inimigos!
Sinais de fumo na fogueira do lixo!
Valeu tudo no quintal - perdeu dos dois lados:
não faças a guerra sozinho porque alguém tem de morrer.
Mas saltou o ribeiro heroicamente, quantas vezes
atirou aos eucaliptos e dispersou entre as canas -
havia que apanhá-lo ou fugir de si.
Explorava a fantasia e fugia, assustado
aprendeu que o medo paralisa quem se faz perseguir
e o jogo era esse: acreditar para ter medo,
no tempo em que as guerras ainda paravam para almoço,
que o comer está na mesa e não é de esperas.
Ainda há índios e pistoleiros no quintal
e hoje sabe tanto sobre índios e pistoleiros como dantes:
que é ele só a vingar-
-se numa guerra automática
que agora não pára
nem para comer.
Quando disseram que a infância era o cerco de toda a existência,
o cerco chamou de solidão à infância,
a existência chamou de laboratório ao cerco
e a infância chamou de evidência à existência.
Quando disseram que a solidão era o laboratório de toda a evidência,
a evidência chamou de isolamento dos corpos à solidão,
a solidão chamou de treva ao laboratório
e o laboratório chamou de pretexto à evidência.
Quando disseram que o isolamento dos corpos é a treva de todo o pretexto,
o isolamento dos corpos chamou de desculpa ao pretexto,
o pretexto chamou de combustível à treva
e a treva chamou de silêncio ao isolamento dos corpos.
Quando disseram que o silêncio é o combustível de toda a desculpa,
o silêncio - claro - não chamou nada a ninguém,
o combustível consumiu-se
e a desculpa cumpriu-se igualmente no fim de todos os insultos:
- Desculpem - é que ainda há índios e pistoleiros no quintal,
o medo para picar.
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