domingo, 20 de fevereiro de 2011

As palavras transferidas. XIV - As estações

Hoje vi passar Deméter abnegada em demanda da filha
que desde ontem não mete os pés em casa, sem aviso.
Dantes era eu que a procurava e não guardo de todo
as melhores recordações, mas são as que há. Perséfone
não quis a minha entrega ingénua e luminosa
no tempo em que todas as palavras, as coisas e os artefactos
se transferiam para o seu nome, eixo do mundo.
Deméter brevemente saberá
que a sua filha se apostou numa cultura underground,
que não poderia continuar eternamente de roda da mãe
e que há-de voltar quando puder
para pôr a conversa em dia entre romãs e bolinhos.
Quando faz mau tempo (e como tem de ser),
penso que é Deméter, resignada, a vir sentar-se a meu lado
para me copiar, copiosamente.