quarta-feira, 7 de julho de 2010

Da vingança

"Vou fazer aqui uma pausa para considerar a palavra "revenge", "vingança", que, segundo o Oxford English Dictionary, deriva do latim "revindicare". E "revindicare" deriva de "vindicare", que significa "justificar", ou "resgatar" ou "libertar", ou "emancipar", acção pela qual se libertava um escravo. Por conseguinte, vingarmo-nos de alguém é relibertarmo-nos, porque antes de efectuarmos a vingança não somos livres. O que é que nos mantém na escravidão? A nossa obsessão com o nosso próprio ódio pelo outro: o nosso próprio espírito vingativo. Sentimos que não o podemos sacudir a não ser através de um acto de vingança. O objectivo que precisa de ser estabelecido é um objectivo específico, e o tipo de dívida que não pode ser pago com dinheiro é uma dívida psíquica. É uma ferida na alma.
Os vingadores e aqueles que os vingadores querem matar ou punir são como credores e devedores. Surgem aos pares. São unha com carne. E daqui até à teoria junguiana da Sombra vai apenas um passo.
Em narrativas que envolvem um ódio irracional e obsessivo, especialmente por parte de uma pessoa que ainda não se conformou com a sua própria Sombra. A Sombra é o nosso lado negro, o repositório de tudo o que há em nós de que nos sentimos envergonhados e de que preferíamos não tomar conhecimento, e também das qualidades que declaramos desdenhar, mas que na realidade gostaríamos de possuir. Se não tivéssemos reconhecido essas coisas acerca de nós próprios, provavelmente iríamos projectá-las noutra pessoa qualquer ou noutro grupo, desenvolvendo um ódio irracional por essa pessoa ou por esse grupo."

"O lado sombrio". In Desforra - a dívida e o lado sombrio da riqueza, Margaret Atwood (Bertrand, Março de 2010).

Dos impostos

"Só para recordar: o imposto sobre o rendimento começou na Grã-Bretanha em 1799 para financiar as Guerras Napoleónicas. Nos Estados Unidos, começou em 1862 para apoiar a Guerra Civil. No Canadá, em 1917, os rendimentos começaram por ser tributados como medida temporária para financiar a Primeira Guerra Mundial. Os impostos são como lapas: uma vez qye se agarram, é muito difícil vermo-nos livres deles. As guerras às quais supostamente se destinam os impostos começam e acabam, mas os impostos continuam. Bom, é melhor do que impostos sobre as janelas, ou sobre a barba, ou sobre os solteiros, impostos que, todos eles, também já tiveram o seu tempo.
É notável vermos quantas vezes a dívida assumida de serviços em troca do imposto em dólares dos cidadãos é esquecida pelos Governos em geral. E uma vez gasto o dinheiro, as pessoas não têm meios para recuperarem as somas que foram obrigadas a emprestar, visto não serem do exército. Numa democracia, podemos depor um líder impopular votando noutra pessoa. Numa tirania, podemos arriscar um golpe armado ou uma revolução popular. Mas em ambos os regimes, mesmo com a vitória nas eleições ou com êxito no golpe ou no levantamento, continuaremos sem dinheiro. Na pior das hipóteses, as crianças continuarão a morrer à fome e/ou ficarão sem instrução, a fábrica de potabilização de água continuará por construir, e o nosso dinheiro irá parar a uma conta bancária na Suiça, e o nosso ex-tirano estará a bronzear-se na Riviera, rodeado por muros altos e por um grupo de dispendiosos guarda-costas. Ou, numa democracia, o nosso dinheiro sumir-se-á nas mangas dos compadres políticos do nosso ex-líder, num molho de contratos insustentáveis e supervalorizados, e esse ex-líder irá aquecer a cadeira de meia dúzia de gratos conselhos de administração, longe dos jornalistas loucos. Por outro lado, se as coisas ficarem bastante caóticas e houver desordens no ar talvez haja a hipótese de desfilarmos pelas ruas com a cabeça de alguém enfiada num pau, gritando: "Acabou o baile!" No entanto, embora seja satisfatório como acto de vingança, trata-se de uma excitação passageira e não servirá para nos restituírem o nosso dinheiro desaparecido."

"O lado sombrio". In Desforra - a dívida e o lado sombrio da riqueza, Margaret Atwood (Bertrand, Março 2010).