sábado, 7 de agosto de 2010

"Rima Pobre - Poesia Portuguesa de Agora". Joaquim Manuel Magalhães (Presença, 1999), reproduzido no Prefácio a "Do Extermínio", de Jaime Rocha (Relógio d´Água, 2003).

"Como nunca gostei de revistas literárias, normalmente deito-as fora quando por azar me chegam às mãos, embora não sem antes as ter, perversamente, lido. Uma vez por outra, se vale significativamente a pena, faço um recorte e meto-o num livro. [...] Como não acredito em grupos ou gerações literárias, normalmente manobras tacanhas para que os outros reparem no que excepcionalmente apenas reparariam, como só me preocupo com obras que para mim valham individualmente por si mesmas e a outras se justaponham para formar o valor de uma tradição de inovações, os escritores amontoados em redor uns dos outros causam-me uma certa sufocação."

"O ornamento é a roupagem «a mais» da escrita poética e, para o que importa agora, do lirismo. Mas o ornamento tem muitos disfarces. Pode ser o epigonismo processual para que o triunfo literato fique mais assegurado; a repetição sem outra inventividade do já anteriormente feito pelo próprio autor; ou esse máximo ornamento que é o da poesia entendida como um manobrismo mundano e de aquisição de benesses. Isto é, tanto quanto uma questão retórica ou prosódica, o ornamento é a mais profunda falta de ética na figura do poeta.
O ornamento é, ao fim e ao cabo, tudo o que enfraquece um poema, não o deixando apenas com o impeto do inesperado ou a ventania da invenção sem quaisquer truques. Em resumo, e bastante comicamente, detecta-se nesses poetas que vivem do pedantismo para auferir cuidados sociais."

"(...) O sensorial ou o mundo ou a realidade, chamemos-lhe como quisermos, nunca são, na escrita, uma transposição. São uma idealização objectiva, um falso a erguer um verosímil, essa transformação do trabalho mimético por onde falam os sentimentos e as arquitraves dos poemas. Os olhos que vêem o visto num poema descrevem como se fossem olhos cegos. E, por essa cegueira - que exige o andaime da referência, da enumeração, da relação indecisa da palavra e do sentido - o leitor lê, aproxima-se, muitas vezes compreende e actua.
Porquanto o poeta não pode nunca acreditar na literatura quanto o leitor, para que o leitor possa acreditar no poder representacional das palavras. (...)"

"(...) Nada que venha das palavras o tempo e o espaço escutam: são eles que fazem as palavras escutar. Mas sabem que tal perscrutação - ou sabemos nós por eles - sobrevive nas palavras ideológica e psiquicamente feridas. Assim, o tempo e o espaço dizem ao poeta (e não ao contrário, como os naturalismos acreditam) que, sendo ele um padecedor deles mesmos, pode procurar, pela des/crença da escrita, permanecer como construtor de mundo (que de espaço e de tempo é, por pensamento ou acção, percebido)."

"(...) Através de sucessivos desabamentos (os ritmos), de sucessivas reconstruções (a retórica), dentro de uma fuga (após uma entrega) ao princípio de caos que repugna a quem não quer resvalar para as permissividades totalizadoras. Que dão o tom prescritivo de tanta poesia secundária. Pois que o poema visa a coesão, uma arquitectura premeditada. A qual pela leitura se acrescenta de interligações humanas, já não só verbais. De uma interioridade humana a uma exterioridade humana, o poema ronda o caos."