domingo, 18 de julho de 2010

retenção na fonte

"Escrever vem a ser o contrário de falar; fala-se por necessidade momentânea imediata e, ao falar, fazêmo-nos prisioneiros do que pronunciámos, enquanto que no escrever se acha libertação e perdurabilidade - só se encontra libertação quando aportamos a algo permanente. Salvar as palavras da sua momentaneidade, de seu ser transitório, e conduzi-las em nossa reconciliação rumo ao perdurável, é o ofício de quem escreve."
Porque se escreve, María Zambrano, 1934 (in "A metáfora do coração e outros escritos", Assírio e Alvim)

María Zambrano disse isto em 1934
um ano ainda distante dos telemóveis
e das 341 mensagens desesperadas que enviei por SMS
ao mesmo número
qual de todas a mais irreconciliável
e cada uma perdurando o sacrifício de todas
as palavras

María Zambrano disse que havia no escrever um reter as palavras
e disse-o a tempo - ou eu não liguei
ou escrever vem hoje a ser o contrário de escrever
e falar o dominante bocejo do silêncio

María Zambrano disse que no escrever as palavras vão assim
caindo, precisas, num processo
de reconciliação do homem
com a sua própria guerra, digo eu
e que se escreve para reconquistar a derrota
sofrida sempre que falámos longamente
- o que as empresas de telecomunicações de uma forma ou de outra agradecem