terça-feira, 21 de junho de 2011

amor novo

Acabado o amor, vislumbra-se um amor novo em versão upgrade ou rebuscada de épocas antigas: o culto do outro, sem exigência ou indução de garantias de retorno, a interdependência autêntica em função do outro, altruísta por afecto, procurado no seu bem-estar o próprio bem-estar, e isto acontecer de forma recíproca e intrínseca permanente, sem batota, gerindo os condicionalismos da vivência em parceria e do jogo social.

Ou não.

Acendemos o fogo como metáfora (se não é o amor ele mesmo uma metáfora de ideia bloqueada na linguagem) e logo temos o amor em chamas, pleno da ambiguidade contemporânea: de um lado as chamas que ardem o amor assim ameaçado de extinção, que do outro não são mais que as mesmas chamas que tornam o amor ardente, digo vivente, por ser o amor em si mesmo o tal fogo que arde.

Ou então é isto.

http://www.youtube.com/watch?v=sVGytjCzubo

sábado, 18 de junho de 2011

Momento luminoso

"É que, em realidade, as horas não podem mais ter acção sobre aqueles que viveram um instante que focou toda a sua vida. Atingido o sofrimento máximo, nada já nos faz sofrer. Vibradas as sensações máximas, nada já nos fará oscilar. Simplesmente, este momento culminante raras são as criaturas que o vivem. As que o viveram ou são, como eu, os mortos-vivos, ou - apenas - os desencantados que, muita vez, acabam no suicídio.
Contudo, ignoro se é felicidade maior não se existir tamanho instante. Os que o não vivem, têm a paz - pode ser. Entretanto, não sei. E a verdade é que todos esperam esse momento luminoso. Logo, todos são infelizes. Eis pelo que, apesar de tudo, eu me orgulho de o ter vivido."

Mário de Sá-Carneiro, "A Confissão de Lúcio". (11x17, 2010).

terça-feira, 14 de junho de 2011

Perguntas mortiças a um escritor quando vivo

"Roberto Bolaño: últimas entrevistas" (tradução portuguesa da Quetzal em 2011) reune quatro sessões de perguntas / respostas, nenhuma delas conduzida por Carlos Vaz Marques e todas tão desnecessárias quanto o riso delicodoce típico das investidas de Carlos Vaz Marques. Desta vez e se possível apenas com outro jeito, Carlos Vaz Marques teria dado jeito ao interlocutor.

Bem, do mal o menos:

"[...] e depois não há outra opção que não seja escrever. Para mim, a palavra «escrita» é exactamente o oposto da palavra «espera». Em vez de esperar, há escrever. Bem, provavelmente não tenho razão - é possível que escrever seja outra forma de esperar, ou de adiar coisas. Gostava de pensar doutra maneira. Mas, como disse, provavelmente não tenho razão."

"A literatura está cheia de autobiografias, algumas muito boas, mas os auto-retratos tendem a ser maus, incluindo os auto-retratos em poesia, que à primeira vista pareceria ser um género mais adequado para nos auto-retratarmos do que a prosa."

"Nicanor Parra diz que os melhores romances são escritos com métrica. E Harold Bloom diz que a melhor poesia do século XX é escrita em prosa. Concordo com ambos."

"É como aquela anedota acerca da mãe judia: num acesso de loucura, o filho corta a cabeça da mãe, foge, depois tropeça e, quando tropeça - com a cabeça da mãe ainda nos braços - a cabeça diz: «Filho, estás bem?» O amor de um pai pelo seu filho é semelhante."

"Para mim, o grande poeta do Chile é Nicanor Parra e depois de Nicanor Parra há vários outros. Neruda é um deles, sem dúvida. Neruda é o que eu pretendia ser aos vinte anos: viver como um poeta sem escrever. Neruda escreveu três livros muito bons; o resto - a grande maioria - é muito mau, alguns deles verdadeiramente contaminados."

"A crítica literária é uma disciplina que representa algo mais para mim do que literatura. A literatura é prosa, romance e conto, dramaturgia, poesia, ensaios literários e crítica literária. Acima de tudo, acho que é necessário que exista crítica literária - sem acidentes - nos nossos países, e não dez linhas acerca de um autor que provavelmente o crítico não voltará a ler. Quer isto dizer que é necessário que haja uma crítica que, de caminho, corrija a paisagem literária."

"Comovem-me os jovens de aço que lêem Cortázar e Parra, tal como eu os li e como tento continuar a lê-los. Comovem-me os jovens que dormem com um livro debaixo da cabeça. Um livro é a melhor almofada que existe."

"Mónica Maristain - O que é que o aborrece?
Roberto Bolaño - O discurso vazio da esquerda. O discurso vazio da direita, já o dou por adquirido."

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Nos eixos

Habituámo-nos a cingir ao tempo os movimentos, as coisas e a expressão das ideias, a celebrar em função de limites (datas, balizas, metas, marcos...) num circuito fechado de escolhas e de identificações. O que é a notícia, senão uma oferenda no cortejo do dia? Enchemos os dias de heróis e desgraças, de tops e recordes, de regra e desvio. Abrimos os jornais e vemos o melhor e o pior, os altos e baixos, a foto do dia, a cronologia, o editorial, o tema em destaque, os relatórios da Lusa e das polícias, o obituário, as ocasiões, as colunas, a espinha e uma epiderme inteira de estados do tempo, de estados de espírito e demais passatempos, como se fosse preciso. E depois há as últimas.
O tempo – e esta é a versão inconsistente que me apetece aqui chamar - é a instalação forçada das máquinas, dos exercícios e das avarias que não tinham outro vazio para ficar, na tentativa de sobreviverem ao esquecimento sempre à espreita de um resgate, de uma ligação aos próximos fenómenos. Mas a instalação do tempo assenta sobre eixos, o espanto transformado em consciência: o choque de aprender e o deleite sofrido das referências; a percepção do outro em si.
Quando alguém me diz que foi o seu tempo de alguma história, acredito que transporte essa bagagem consigo. Não que esse tempo transite e ainda lhe sirva nem que os eixos sejam rodas promissoras, mas que já é ele que assenta nesses eixos em vez do tempo e que se rodeia de movimentos, de coisas e de expressões que o (co)movem para o que ainda vier. O resto é um número desnecessário, sabendo que o ano em que Ricardo Reis morreu foi o ano da morte de Ricardo Reis.
Também eu sou o meu tempo. Também eu retrato a época pelo surgimento de um espanto, de uma tomada de consciência, de uma revelação propulsora, de um novo eixo que se inscreve e que perdura com mais ténue ou acentuado fatalismo, de um filtro novo para as borras do mundo. A aventura. A dança das feridas.
Entre a noite e o riso, lembro o tempo endiabrado em que pai e mãe já avisavam filho para andar nos eixos.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Entendemo-nos por música


A personagem é esta: um taxista turco melómano, sempre a aumentar o volume do leitor ao longo da viagem (foi até ao 46...). Lá atrás, os passageiros entram no ritmo em noite de farra, batem palminhas e soltam uns acordes marados numa língua acabada de inventar. Em cima, a histórica foto no momento da aquisição do disco ao taxista (Maio 2011). Em baixo, a exótica abertura do cd, que já rola nas estradas portuguesas. Tinha de ser!


As latrinas do Éfeso

 
Fotografias de um importante ponto de encontro e de conversação da antiguidade: as latrinas do Éfeso. Maio 2011.