domingo, 20 de junho de 2010

amor e morte

Para Ivan Klima, poucas coisas se parecem tanto com a morte como o amor realizado. Cada chegada de um dos dois é sempre única, mas também definitiva: não suporta a repetição, não permite recurso nem promete prorrogação. O amor e a morte não têm história própria. Assim, não se pode aprender a amar, tal como não se pode aprender a morrer. E não se pode aprender a arte ilusória – inexistente, embora ardentemente desejada – de evitar as suas garras e ficar fora do seu caminho. Chegado o momento, o amor e a morte atacarão – mas não se tem a mínima ideia de quando isso acontecerá. Quando acontecer, vai apanhá-lo desprevenido. Nas nossas preocupações diárias, o amor e a morte aparecerão ab nihilo – a partir do nada. Evidentemente, todos tendemos a esforçar-nos muito para extrair alguma experiência deste facto; tentamos estabelecer os seus antecedentes, apresentar o princípio infalível de um post hoc como se fosse um propter hoc, construir uma linhagem que “faça sentido” – e na maioria das vezes temos sucesso. Precisamos deste sucesso pelo conforto espiritual que nos traz: faz ressurgir, ainda que de forma circular, a fé na regularidade do mundo e na previsibilidade dos eventos, indispensável para a nossa saúde mental. Também evoca uma ilusão de sabedoria conquistada, de aprendizagem e, sobretudo, de uma sabedoria que se pode aprender.
No caso da morte, a aprendizagem restringe-se, de facto, à experiência de outras pessoas e, portanto, constitui uma ilusão in extremis. A experiência alheia não pode ser verdadeiramente aprendida como tal.

aqui

Não há outros lugares, há aqui. O outro lugar é uma balança metafórica de auto-posicionamento e expectativa, é o território imaginário a que chamamos tempo. O outro lugar é o tempo. O espaço é só este: é aqui. Tudo o mais é tempo, porque não é aqui e não sendo aqui, não é agora. O espaço, o agora, o que ainda é real, não é tempo. Portanto, o espaço é aqui, é o agora. Tudo o mais é tempo, imaginação. O agora não é tempo, no agora nunca há tempo.

O tempo, a imaginação, pode estar ou não documentado. À imaginação documentada chamamos passado; à não documentada chamamos futuro – que é a expectativa de aquis a haver – ou então variante de tempo perdido. Esta variante de tempo perdido não documentado, que por isso se desconhece, distingue-se do tempo conscientemente perdido. O tempo conscientemente perdido subdivide-se em tempo perdido objectivamente e tempo perdido subjectivamente. Isto é o tempo. O que sobra é o espaço, o agora, o aqui.
O aqui é e não é dinâmico. É dinâmico porque não é estanque, nunca um aqui se repete da mesma forma, como testemunha a imaginação documentada. Não é dinâmico porque estamos sempre aqui.

Num aqui irrepetível.

Aqui é o lugar de cada um. Quando falamos de lugares, só poderemos estar a falar de uma destas duas possibilidades: do lugar real, que é o aqui; ou da imaginação de um lugar de outro, que é a distância, isto é, novamente, o tempo. Neste campo imaginário nasce a metáfora do lugar comum, que é a intersecção dos aquis de cada um. A esta tentativa de fusão de aquis, a estas metáforas, lugares inventados, chamamos casas, prédios, bairros, ruas, aldeias, vilas, cidades, nações, mundo. Lugares comuns, comunidades. São invenções impossíveis a que atribuímos menções maiúsculas.

Eu instalei-me na metáfora maiúscula de Lisboa. Eu estou aqui, no aqui que se sabe. Aqui, que todo o sítio é caminho e cada um seu viajante, em todo o lado.

Quando cheguei, Lisboa não era já Lisboa. Lisboa não mais Lisboa – inlisboa. Inlisboa, porque dentro dela. Íntima, intrínseca, interior. Inlisboa porque não dentro de mim, inexplorada, na minha indiferença de seu caminhante. Inlisboa porque real na invenção, inversa à Lisboa metafórica, a esta Lisboa impossível.