terça-feira, 9 de novembro de 2010

Introdução à Semiótica. Adriano Duarte Rodrigues (Edições Cosmos, 2ª edição, 2000).

"A semiótica destina-se, por conseguinte, a fornecer os utensílios que permitam ao olhar descobrir o sentido que as coisas apresentam e que o hábito oculta. A disciplina semiótica é, deste ponto de vista, um constante e sistemático exercício de percepção originária dos fenómenos, considerando-os como se eles continuassem a irromper ou acontecessem, pela primeira vez, no horizonte da nossa experiência do mundo.
A semiótica pretende, por conseguinte, ser uma fenomenologia, um projecto de retorno às próprias coisas, com vista ao desvendamento, a um trabalho de rememoração, à reminiscência do sentido que o tempo foi ocultando e esquecendo. O lugar comum, as falsas evidências, a naturalização são as modalidades desta ocultação e deste esquecimento do sentido originário que compete à semiótica questionar. Os signos que, em vez de revelarem a plenitude do sentido, o ocultam e obliteram são apenas aparências enganadoras ou simulacros que «traem», no duplo sentido do termo, a realidade para que remetem.
Não é por acaso que, no sentido originário, as acepções de traição e de tradição se confundiam num mesmo termo. Em latim, é o mesmo verbo, tradere, que significa ao mesmo tempo «trair» e «entregar». Podemos compreender a razão desta assimilação, se pensarmos no que queremos dizer quando afirmamos que, ao corar, alguém trai os seus sentimentos. O rubor do rosto, ao mesmo tempo que deixa escondida a veemência do sentimento, dá-o a ver completamente, entrega-o, sem reserva, à percepção dos outros. É neste sentido que a semiótica tende a desalojar o sentido ocultado pela prática semiótica habitual, a desvendar a realidade que os simulacros traem."