sexta-feira, 25 de junho de 2010

A violência pós-moderna

Adiaforização – tornar certas acções, ou certos objectos de acção, moralmente neutros ou irrelevantes, furtando-os à categoria dos fenómenos passíveis de avaliação moral. O efeito de adiaforização é obtido através da exclusão de certas categorias de pessoas do reino dos sujeitos morais, ou através da ocultação do nexo existente entre uma acção parcial e o efeito último do conjunto em que aquela se integra, ou ainda mediante a entronização da disciplina do procedimento e da lealdade pessoal no papel de critério supremo do desempenho moral.
A adiaforização consistiu ao longo dos tempos modernos, e em crescente medida, no desenvolvimento da burocracia moderna auxiliada e reforçada pela moderna tecnologia – e sugiro que, na generalidade, assim continua a ser hoje e, talvez, cada vez mais. Há pelo menos dois novos factores que concederam um poder renovado aos métodos tipicamente modernos, ainda que tendo-se tornado entretanto tradicionais, da adiaforização.
O primeiro é o efeito de conjunto de “insensibilização” à crueldade que pode resultar da maciça exposição sem precedentes às imagens do sofrimento humano. (Quase não se passa um dia sem que dúzias de cadáveres e de mortes encham os ecrãs das nossas televisões, quer nos horários ditos de notícias, quer nos programas que apresentam comédias, dramas ou séries policiais, longas-metragens ou filmes destinados às crianças.) Norbert Elias via no facto de terem desaparecido as execuções públicas um sinal de progresso civilizador – todavia, os enforcamentos públicos, a par dos desportos a que poderíamos chamar sangrentos, eram ocasiões raras e festivas, que faziam parte daquilo que Mikhail Bakhtine descrevia como a “cultura carnavalesca”, consistindo em periódicas inversões espectaculares das normas habituais que se destinavam a sublinhar com mais força a rotina obrigatória do quotidiano: a cultura carnavalesca era uma afirmação enfática da natureza insólita e excepcional daquilo que acontecesse durante as “rupturas” da vida normal, e confirmava indirectamente a validade da proibição que condenava a introdução de comportamentos de tipo carnavalesco na rotina quotidiana.
Por outro lado, a mediação electrónica da “guerra real” pode facilitar a tarefa aos espíritos sensíveis. É fácil esquecer a verdadeira natureza dos disparos e bombardeamentos: bem vistas as coisas, ninguém dispara ou bombardeia, mas limita-se a mover um rato e a carregar em botões. Himmler podia preocupar-se com a saúde mental dos seus Einsatzgruppen encarregados de abaterem à queima-roupa os bolcheviques e judeus. O general Schwarzkopf não precisava de se preocupar com o estado mental dos seus exterminadores de massa. Estes nunca olhavam as suas vítimas nos olhos, e contavam apenas pontos num monitor, não cadáveres. Os seus pilotos voltavam das suas operações de bombardeamento num estado de excitação e euforia: “Era tal e qual como no cinema”, “Tal e qual como um jogo de computador” – observavam depois. E em todo o mundo, os seus admiradores olhavam pasmados essas imagens semelhantes àquelas que os tinham habituado os seus jogos de vídeo: pontos que perseguiam e alvejavam cruzes. Era a um jogo bem jogado que assistiam.
É aqui justamente que o ponto bate: as linhas divisórias entre as “notícias”, a produção dramática e o jogo fazem-se cada vez mais ténues, tornando-se a realidade nos termos deste processo apenas uma imagem mais entre muitas, e não especialmente clara ou interessante (como “distracção”). As imagens, no seu conjunto, rivalizam umas com as outras, disputando as atenções, no quadro de um mesmo universo de significações, o da diversão – e no interior de um espaço do mundo esteticamente ordenado, que se estrutura em termos da capacidade de atracção das imagens, do seu potencial de prazer e do interesse que despertam. Como Jean Baudrillard não se cansa de repetir, trata-se de um mundo de simulacros, em que as imagens são mais reais do que a realidade, em que todas as coisas são representação e em que a diferença entre a representação e em que a diferença entre a representação e o que é representado deixa de poder operar-se, uma vez que todas estas imagens impressionantes, de “um realismo bem palpável”, não funcionam senão como dissimulação da ausência dessa realidade que poderíamos conceber como exercendo sobre elas a sua autoridade. Com as realidades a fundirem-se nas suas representações ostensivas, a adiaforização da vida torna-se quase completa: uma vez que o “não real” se está a tornar rapidamente o critério do “real” (sendo a fronteira entre um e outro cada vez mais difícil de traçar), os critérios estéticos característicos do mundo do jogo e da diversão bem poderão passar a ocupar no mundo da interacção humana, substituindo-os, dos critérios morais hoje irrelevantes.
O segundo desenvolvimento novo que reforçou consideravelmente os mecanismos modernos ortodoxos de adiaforização refere-se à qualidade inteiramente nova da distância que separa os perpetradores da crueldade das suas vítimas. Há cerca de meio século, Max Frisch observava no seu diário que “nem todos nós estamos na disposição de ser carniceiros. Mas quase todos nós poderíamos ser soldados, tomar conta de uma arma, consultar um relógio e puxar uma corda”. Max Frisch falava de tiros e de cordas. Aquilo que os substituiu, acrescentou uma dimensão totalmente nova ao seu comentário. Segundo Michael J. Shapiro, no caso da maior parte das actuais armas de destruição maciça, chacinar os “inimigos” tornou-se um acto completa e continuamente invisível para aqueles que, recorrendo a sistemas de detecção electrónicos, têm de disparar sobre qualquer coisa que vêem muito mais como símbolos do que como corpos identificáveis. Devemos sublinhá-lo: os dispositivos electrónicos não se limitam a mediar a acção, encarregando-se da tarefa de desferir o golpe mortal decisivo, mas assumem ainda a responsabilidade de “detectar” (escolher!) as vítimas. A responsabilidade, que segundo Hannah Arendt tendia a diluir-se em todas as organizações burocráticas, tornou-se agora mais “diluída” do que nunca. As chamadas vítimas “inocentes” (expressão fraudulenta que serve acima de tudo para veicular a mensagem de que a maior parte das vítimas, as vítimas “normais” não são inocentes e merecem a soa sorte) podem hoje ser facilmente justificadas como “erros de computador”.
A cisão entre a acção e o seu sentido moral nunca foi mais fácil nem mais completa.
Mas as novas armas prenunciam também uma outra perspectiva inédita: nos termos em que um dos pilotos do Golfo resumiu a sua experiência de “combate”, “nós podíamos alcançá-lo e tocá-lo, mas ele não podia tocar-nos”. Deste ponto de vista, a guerra, outrora adequadamente descrita como “combate”, aproxima-se hoje mais daquilo que estamos habituados a associar a ideia de uma execução, de expedições punitivas ou de operações de polícia: não se prevê que os objectos da acção respondam, a acção é inteiramente unilateral, toda a iniciativa se situa num dos lados apenas. Não se espera que o combate prove seja o que for, os papéis e os direitos foram divididos e estabelecidos antes de haver sido disparado o primeiro tiro. Os perpetradores podem ter a certeza de que as suas acções serão impunes e o seu direito de as desencadear incontestado. Os generais e os divulgadores do seu pensamento nos meios de comunicação de massa repetiam, perante os espectadores que meneiam aprovadoramente a cabeça, que o seu principal princípio estratégico era o de “poupar vidas”. Estas palavras significavam implicitamente que são só certos tipos de vidas os que havia que poupar – eram dignos de ser poupados. A única maneira de poupar essas vidas era destruir tanto quanto fosse possível outras vidas, essas indignas, impedindo-as de qualquer tipo de resposta antes de consumado o seu destino. O s armamentos e os princípios estratégicos mais avançados são de chacina e massacre, mas não de combate. Graças a isso, poucos casos restam, ou nenhum, que não permitam que a violência da guerra no exterior seja incluída na categoria doméstica da “defesa da lei e da ordem”, que a destruição seja apresentada como “destruição criadora”, que o sofrimentos dos poucos seja considerado como o baixo preço a pagar pela felicidade dos muitos.
Em suma, poderemos dizer que os mecanismos burocráticos ortodoxos de adiaforização continuam vivos e de boa saúde – quando muito, terão sido reforçados, graças à influência das novas tecnologias da informática e do armamento. Mas poderemos também sustentar que, apesar de tudo, os principais mecanismos da adiaforização – e por isso, igualmente, os factores de potenciação da violência -, passam hoje, sob as condições pós-modernas, do mundo da organização burocrática para o mundo da vida quotidiana.

Adiaforização pós-moderna – a par dos mecanismos de adiaforização caracteristicamente modernos, os mecanismos pós-modernos e relativamente novos [instalaram-se] na estrutura da vida quotidiana, dando origem a modos de acção violenta caracteristicamente pós-modernos.
Se a figura do peregrino era a metáfora adequada do tipo de individualidade favorecido e promovido pela modernidade, não há uma figura que possa servir como metáfora do indivíduo moldado sob as condições pós-modernas. Alternativamente, torna-se necessário recorrermos a uma combinação de metáforas: pareceu-me assim que as figuras do deambulador (flâneur), do vagabundo, do turista e do jogador, combinadas e só se as considerarmos conjuntamente, poderiam, no entanto, veicular a complexidade e a aporia interna do processo que é a identidade pós-moderna. Por muito diferentes que possam ser entre si, as quatro figuras emblemáticas da existência pós-moderna, entretecidas e interpenetrando-se, têm em comum o facto de visarem a repartição do processo da existência numa série de episódios (idealmente) auto-suficientes e fechados sobre si próprios, sem passado e sem consequências, sendo o resultado que tendem a tornar as relações humanas fragmentárias e descontínuas – impedem a construção de redes duradouras de deveres e obrigações mútuos. Todas estas figuras apreendem o Outro fundamentalmente como objecto de avaliação, não moral, mas estética; como fonte, não de responsabilidade, mas de sensações. Tendem, por conseguinte, a eximir uma enorme área das interacções humanas, incluindo as mais íntimas, do juízo moral. Poderíamos dizer que asseguram hoje a tarefa que no núcleo da modernidade era desempenhada pela burocracia através do “governo de ninguém” institucionalizado: são os novos factores pós-modernos da adiaforização. Seguirmos o impulso moral significa assumirmos a responsabilidade em relação ao Outro, o que por seu turno leva a que nos empenhemos na sorte do Outro e no seu (dele ou dela) bem-estar. A desimplicação e a fuga ao compromisso favorecidas pelas quatro estratégias pós-modernas em causa, têm por efeito de ricochete a supressão do impulso moral e a desautorização e o descrédito dos sentimentos morais.
A par dos tradicionais tranquilizantes das emoções morais, aparecem assim hoje outros mais recentes e aperfeiçoados, que se podem obter doravante sem receita da parte de entidades devidamente autorizadas pelo Estado. Graças aos novos preparados adiaforizantes, a violência pode regressar aos lugares dos quais o “processo de civilização” prometera varrê-la para sempre: às relações de vizinhança, à família, aos parceiros que formam o casal – sedes tradicionais de proximidade moral e de uma convivência rosto-a-rosto. Um sintoma amplamente publicitado deste regresso é a dificuldade – ou efectiva confusão – crescente que temos quando se trata de distinguir entre uma educação parental severa e os maus-tratos infligidos às crianças, o cortejar e o assédio, a iniciativa sexual e a agressão violenta. Dado desgaste dos quadros institucionais que impunha a observância das obrigações assumidas e na virtual ausência de critérios incontestados, universalmente reconhecidos (ou impostos), suspeitamos e alimentamos a expectativa de que uma componente de violência venha misturar-se às relações humanas mais íntimas, que se presumia serem governadas prioritariamente pelo amor e a admiração mútuos – ao mesmo tempo que o grau outrora tolerado de compromisso acarretado por todas as formas de coexistência negociada tende a ser cada vez mais frequentemente experimentado nos termos de uma violência excessiva e insuportável exercida sobre os direitos de auto-afirmação de cada um.
Uma das consequências da transição da sociedade do produtor/soldado para uma sociedade de consumidores recolectores de sensações foi o esgotamento gradual dos vasos capilares do sistema panóptico de manutenção da ordem. Os casamentos, as famílias, as relações de parentesco, os locais de trabalho perderam boa parte do seu papel de postos fronteiriços avançados da fábrica da ordem societalmente gerida. A coerção aí aplicada quotidiana e rotineiramente perdeu a sua função como veículo da “lei e da ordem”, e pode ser hoje contestada como violência gratuita e crueldade imperdoável. As hierarquias outrora incontestadas podem voltar a ser postas em causa, os critérios organizadores das relações renegociados, os antigos direitos de impor e exigir disciplina clamorosamente denunciados e violentamente repelidos – o que leva a que se crie a impressão de conjunto de que os montantes totais de violência aumenta ao mesmo tempo que o exercício de um poder hierarquicamente superior outrora reconhecido ou nem sequer percebido tende a ser considerado como violência ilegítima. A ambivalência manifesta da “manutenção da ordem” e da “violência” é uma vez mais posta a nu pelos novos conflitos em torno do seu sentido.

Barbárie – ao longo da história da modernidade, a fronteira entre a civilidade e a barbárie nunca coincidiu com as fronteiras do Estado-nação e, menos ainda, com a circunferência partilhada da “parte civilizada do mundo” no seu conjunto. Hiroshima varreu os bárbaros “lá fora”, mas Auschwitz e o Gulag, os bárbaros “cá dentro”. Em nenhum momento da história moderna foi permitido aos bárbaros ficarem em paz “ficando à porta”: eram objecto de desprezo, espiados e desenraizados de uma maneira razoavelmente caprichosa que não deixava de evocar o carácter caprichoso que lhes era, a eles, atribuído por definição. Para os antigos que inventaram o termo para designar todos os não-gregos (e mais tarde, os que ficavam fora da alçada do Direito Romano), os bárbaros só suscitavam medo quando se aproximavam demasiado e se instalavam ante portas, mas não eram objectos de acção missionária nem de vigilância. A modernidade, desde o início, historicizou e interiorizou o estatuto dos bárbaros. A barbárie não era agora tão-só uma forma de vida diferente, mas uma forma de vida ultrapassada, votada à extinção: os bárbaros eram fósseis vivos, ou seres que decididamente tinham sobrevivido à sua época e seria conveniente que desaparecessem da presente o mais rapidamente possível. Em termos não menos seminais, os bárbaros eram agora vistos como uma espécie de “quinta coluna”, que esperavam emboscados no interior da fortaleza do mundo civilizado, aguardando o momento de se vingarem das feridas que o processo civilizador lhes infligira. Os bárbaros foram um instrumento de importância maior no moderno processo de “implantação do medo” (Reemtsma), um afecto que a modernidade se mostrava particularmente inclinada a propagar uma vez que proferia um carácter de urgência, e até mesmo um aparente sentido, às transgressões sempre novas que a “modernização” visava consumar. Do mesmo modo, serviram como um instrumento de estratificação e de reprodução da hegemonia cultural. Uma componente importante de “barbárie” fazia ainda parte da descrição oficial da identidade do pobre indolente, imprevidente e irresponsável, da mulher irreflectida e frívola, das minorias culturais e/ou étnicas difíceis de integrar e resistentes à assimilação e de quaisquer outras categorias que fossem consideradas demasiado turbulentas e incontroláveis que convinha, para fins de segurança, manter no seu lugar por meio de medidas correntes de coerção quotidiana: caso dos criminosos (submetidos a uma coerção suplementar de ordem penal), dos deficientes mentais (submetidos a uma coerção suplementar de ordem psiquiátrica), bem como de inumeráveis outros degenerados. (Segundo a conclusão cáustica a que chegou Daniel Pick, a degenerescência na Europa do século XIX “tornou-se, na realidade, a condição das condições, o significante último da patologia”: “foi universalizada enquanto potencial destino de todos e… particularizada enquanto condição dos outros”.)

Bárbaro adormecido – Bem vistas as coisas, e talvez originariamente, houve sempre um selvagem aprisionado no íntimo de cada ser humano civilizado. Adivinhava-se “o bárbaro” adormecido – e intimidado a continuar nesse estado – no interior de cada homem moderno, sensato e saudável, e receava-se que ele despertasse e desacorrentasse a favor do primeiro momento de desatenção. Combater, acorrentar e manter acorrentado o “selvagem interior” era presumivelmente a tarefa mais premente e mais anunciada pela imprensa da primeira linha de batalha da sempre beligerante civilização da modernidade. Ao longo da história moderna foi para servirem nessa linha de batalha que se inventaram as armas mais engenhosas, ao mesmo tempo que todos e cada um dos civilizados era mobilizado como soldado para o mesmo combate ininterrupto. Cada corpo moderno era uma prisão, cada homem moderno um guarda prisional vigiando o perigoso psicopata que trazia dentro de si, e o dever dos guardas era manterem as portas gradeadas bem fechadas e os alarmes a postos. A vigilância nunca parecia ser suficiente, enquanto se farejavam as malfeitorias do “selvagem interior” em cada paixão, cada explosão emocional, cada quebra da etiqueta, cada expressão afectiva. O espectro do bárbaro no íntimo de todos nós era a mais potente das armas utilizada nas batalhas modernas em vista de impor a ordem reflectida e uma rede de convenções de rotina ao mundo turbulento e contingente da vida quotidiana, e a ubiquidade do bárbaro revelou-se de extrema utilidade, acrescentando às grandes prisões administradas pelo Estado as incontáveis prisões mais pequenas, produzidas pelos indivíduos em regime de autoconstrução. Em suma, podemos dizer que a civilidade – essa cruzada cultural das elites modernas e essa campanha armada do Estado moderno – estabeleceu, por assim dizer, as regras do seu próprio jogo, reservando para si o direito de decidir quem era o bárbaro. A fronteira entre o ser humano “civil” e o bárbaro nunca foi apenas uma linha e continuou sempre a “atravessar o espaço”.

Coerção – “O uso da força é um meio específico do Estado”, concluía Weber, e todos nós continuamos a repeti-lo. “No passado, as mais variadas instituições… conheceram o uso da força física como qualquer coisa de bastante normal. Hoje, no entanto, devemos dizer que um Estado é uma comunidade humana que (com sucesso) reivindica o monopólio do uso legítimo da força física no interior de um território dado.” Graças ao monopólio detido pelo Estado, a coerção cinde-se em duas espécies marcadamente diferentes, caracterizadas respectivamente como legítima e ilegítima, necessária e gratuita, desejável e indesejável, útil e nociva. Na sua aparência, as duas categorias distintas nada têm que as diferencie uma da outra excepto a justificação – sempre partidária – concedida a uma, mas recusada à outra. Na realidade, receberam hoje nomes diferentes: uma das categorias de coerção é dita “imposição da lei e da ordem”, enquanto a horrível designação de “violência” se reserva exclusivamente à outra. O que esta distinção verbal esconde é, todavia, o facto de a “violência” condenada consistir também numa certa instauração da ordem, na imposição de certas leis – tratando-se simplesmente de uma ordem e de leis diferentes daquelas que estavam na mente dos autores da distinção. Como Helé Béji observava, há um aspecto que a justiça partilha com a injustiça: “para ser eficaz, necessita da autoridade da força”.
A actividade ordenadora, o maior passatempo das instituições modernas, consiste principalmente na imposição da monotonia, da repetição e da determinação – tudo o que resista a esta imposição é a selvajaria de além-fronteiras, um território hostil ainda por conquistar ou, pelo menos, a pacificar. A diferença entre o espaço controlado e o incontrolado é a diferença entre a civilidade e a barbárie. Nos domínios da civilidade, não há (idealmente) coerção que se exerça de surpresa ou de uma sede inesperada: pode ser racionalmente calculada, tornar-se o “reconhecimento da necessidade” que podemos, na esteira de Hegel, chegar ao ponto de celebrar como liberdade… Nos domínios da barbárie, não vigoram as regras da civilidade. São um território de luta incessante, em que tudo é permitido contanto que funcione – e os bárbaros, sendo por definição violentos, são objectos legítimos de violência. A civilidade a quem é civil – aos bárbaros, a barbárie.
Quer sob a forma oficialmente estigmatizada como violência, quer sob o disfarce da “promoção da lei e da ordem” (ou, na realidade, sob a forma que a apresenta como parte do “processo de civilização”), a coerção é sempre cruel – pelo menos do ponto de vista do seu objecto. Coagir significa ser cruel. Não são apenas os inventores e conceptores das medidas de coerção que têm de ser cruéis ou insensíveis ao sofrimento dos outros, mas o mesmo se passa com os incontáveis “agentes intermédios” que aplicam as suas políticas. Se admitirmos com Emmanuel Lévinas, como é o meu caso, que “a justificação do sofrimento do próximo é decerto a origem de toda a imoralidade”, então teremos de aceitar também que há mais do que uma conexão casual entre a capacidade de praticar actos cruéis e a insensibilidade moral. Para que se torne possível a participação em acções cruéis, a ligação ente a culpa moral e os actos que referida participação acarreta tem de ser quebrada.

Cultura carnavalesca – Hoje vivemos num constante carnaval de crueldade; como é óbvio que “constante carnaval” é uma contradictio in adiecto, uma vez que um carnaval constante já não é carnaval, e o que de facto se passa é que as imagens de crueldade transbordaram os limites dos seus espaços de reserva circunscritos e isolados, penetrando na corrente dominante da experiência quotidiana. Uma das consequências disso é o grande número e a monotonia das imagens em causa poderem produzir um efeito de desgaste: dado “o cansaço do espectador”, terão de ser cada vez mais violentas, chocantes ou “inventivas” a fim de suscitarem qualquer tipo de emoção ou para simplesmente chamarem sobre si as atenções. O nível “familiar” da violência, abaixo do qual a crueldade das acções cruéis escapa à atenção, sobre constantemente.
Mas ainda mais importante é a maneira como as imagens de violência são compostas e penetram a vida quotidiana. Dada a natureza dos media, as imagens de crueldade “forjadas”, simuladas e encenadas são muito mais impressionantes, intensas e efectivamente “dramáticas” do que os documentos, por assim dizer, honestos “do que realmente aconteceu”. A “realidade” parece empobrecida, “tecnicamente imperfeita” e, com efeito, “menos interessante”. A crueldade real parece inferior, descolorida, pálida, aquém efectivamente da qualidade da “substância autêntica” – quer dizer do que “podem ser” a tortura mental e física, incapacitante, mutiladora, e as mortes sofisticadamente infligidas, concebidas por especialistas e servindo-se de tecnologias de ponta. A encenação da crueldade estabelece doravante os critérios de avaliação daquilo que “simplesmente acontece na presença de um operador de câmara”: a “realidade” tende a ser avaliada pelo grau que alcança de proximidade em relação ao engenho dramático e à precisão de um filme policial ou de choque ou à produtividade de jogo de um vídeo com os seus milhares de “extraterrestres” a “exterminar” em menos de um minuto.

Identidade moderna - A transformação seminal por excelência que subjaz à transição para a fase pós-moderna da modernidade, podemos encontrá-la na profunda modificação do modo como a individualidade é socialmente construída e da maneira como a maioria genérica da população é socialmente integrada e fixada no processo de reprodução sistémica.
Sob as condições modernas, os indivíduos humanos eram formados fundamentalmente como produtores / soldados – isto é, os papéis de produtores e de soldados, que se supunha que todos ou quase todos deveriam desempenhar e para os quais eram preparados, forneciam conjuntamente os principais modelos e critérios de avaliação utilizados na formação. A individualidade resultante era, portanto, caracterizada pelos traços seguintes: 1. os indivíduos eram, antes e acima de tudo, portadores de força cinética, podendo esta ser convertida em trabalho produtivo ou destrutivo de produtor ou de soldado – nessa medida, tinham de ser capazes de fornecer a força em causa de maneira adequada e de se mostrar, na medida do possível, imunes à fadiga. 2. Os indivíduos eram actores “disciplinados”, isto é, actores cujo comportamento era nas suas grandes linhas regular e sobretudo regulável – actores que reagiam aos estímulos em termos repetitivos e previsíveis, e capazes de uma conduta de rotina contanto que fossem submetidos a uma pressão adequada e coordenada. 3. À maneira de peças de Lego ou de Mecano, os indivíduos isolados eram incompletos, uma vez que se destinavam à combinação com outras unidades do seu tipo em vista da composição de totalidades dotadas de sentido; as fronteiras do indivíduo eram antes e acima de tudo interfaces, desempenhando não tanto o papel de os circunscrever como, fundamentalmente, de os ajustar e combinar. 4. O principal modelo de ajustamento – ou seja, da harmonia entre aquilo que o indivíduo deveria ser e aquilo que era, homem ou mulher – era a saúde, cuja ideia se associava intimamente à capacidade de um bom desempenho sob os três aspectos acima citados. A “saúde” significava vigor e energia físicos, bem como a capacidade por parte do indivíduo de se comportar da maneira disciplinada e regular que se requeria a fim de se ajustar às actividades coordenadas no interior de grupos mais vastos. Reciprocamente, a fraqueza física ou uma insuficiente capacidade de submissão e ajustamento eram consideradas sintomas de má saúde e, por conseguinte, medicalizadas ou tidas como casos de tratamento psiquiátrico.

Identidade pós-moderna – Sob as condições pós-modernas, os indivíduos humanos são formados fundamentalmente como produtores / soldados – isto é, os papéis de produtores e de soldados, que se supõe que todos ou quase todos deverão desempenhar e para os quais são preparados, fornecem conjuntamente os principais modelos e critérios de avaliação utilizados na formação. A individualidade resultante é, portanto, caracterizada pelos traços seguintes: 1. Os indivíduos são antes e acima de tudo “organismos experienciais”, buscando experiências novas (experiência tanto no sentido de Erfahrung como no de Erleben) e imunes ao efeito de saturação – ou seja, capazes de absorverem e de responderem a um fluxo de estímulos constante e de preferência crescente. 2. Os indivíduos são actores “originantes”, quer dizer actores caracterizados acima de tudo por uma motilidade e maleabilidade de comportamento espontâneas e que se desencadeiam com facilidade, dependendo apenas minimamente da aprendizagem anterior e dos hábitos adquiridos. 3. Embora nunca plenamente equilibrados, os indivíduos tendem a auto-equilibrar-se como unidades quase independentes e autopropulsionadas – esta “regulação interna” está também presente no decurso da sociação, sendo ao mesmo tempo seu fim e seu motivo. 4. O principal modelo de ajustamento é, portanto, mais a plena forma do que a saúde. A “plena forma” significa a capacidade física e espiritual por parte do indivíduo de absorver e responder criativamente a um volume crescente de novas experiências, a aptidão para assumir uma rápida mudança de ritmo, bem como para “manter a direcção certa” através da automonitorização e da autocorrecção dos aspectos inadequados do desempenho. Reciprocamente, a flacidez física e o ennui espiritual (capacidade de absorção diminuída e insensibilidade aos estímulos), bem como um nível acima da média de perturbação no processo de auto-equilíbrio em curso, são sintomas de “má forma” – medicalizados ou tidos como casos de tratamento psiquiátrico ou aconselhamento psicológico. (Um paradigma da transformação em análise poderá ser o caso convincentemente apresentado por André Bejin, da progressiva substituição da “psicoterapia” pela “terapia sexual” (ou, mais precisamente, “orgasmologia”) – para a qual as “questões peri-sexuais”, “contracepção, gravidez, aborto, doenças venéreas, não têm mais do que um interesse secundário”. A tónica deslocou-se, em termos radicais e decisivos, do “como fazer as coisas” para o “como fazer a sua experiência”. Além disso, o “problema terapêutico” já não é concebido como desvio (pesadelo tipicamente moderno), mas disfunção (entendida como incapacidade de “viver em pleno” a experiência num registo de intensidade ajustado, extraindo dela as sensações que é susceptível de engendrar). Segundo o modelo de “plena forma” subjacente às praticas da orgasmologia, cada um “deve abandonar-se à sua própria sensação sem deixar de submeter as suas acções a um cálculo racional do “balanço sexual”. O prazer deverá ser exactamente ao mesmo tempo um acontecimento absolutamente espontâneo e um desempenho teatral encenado pelo cérebro”.)
O que não pode ser hoje feito sem a participação activa de toda a população ou da sua grande maioria é a distribuição dos produtos (“a procura solvente”) e a reprodução desse modo da necessidade de novos fornecimentos, quer dizer a reprodução das condições produtivas, promovida na sociedade contemporânea através dos mecanismos de mercado. O mercado mobiliza os homens e as mulheres na sua qualidade de consumidores. A “formação da individualidade pós-moderna” acima esboçada visa moldar um consumidor perfeito.
A recolectivização da violência ao serviço da auto-afirmação neotribal é apenas um dos resultados da privatização pós-moderna dos problemas da identidade. O outro é a tendência no sentido do desenvolvimento de formas de violência gradualmente “normalizadas”, legalmente consentidas e culturalmente provadas ao serviço da auto-afirmação individual, hoje guiada em medida crescente pela procura da flexibilidade e das opções permanentemente em aberto, pelo desejo de evitar hipotecar o futuro através de compromissos actualmente assumidos, pelo ressentimento ante os limites impostos ao indivíduo pelas necessidades dos outros e pela relutância em aceitar qualquer desconforto que não seja portador de benefícios visíveis em termos de satisfação individual no plano do consumo.

Modernidade e coerção – Desde o início, a modernidade consistiu em forçar as coisas a serem diferentes daquilo que são. Em acumular cada vez mais energia geradora de potência e em explorar as suas reservas sem fazer contas e com frequência crescente com o fim de transformar a ordem das coisas, atribuindo maior lugar a umas e menos a outras. E em estar sempre um passo à frente da realidade – em ter sempre mais meios de acção do que os requeridos pela acção presente, em ter sempre mais energia do que a necessária em vista das necessidades já estabelecidas. (A energia, em última análise, é um puro pouvoir, a capacidade de fazer coisas, seja o que for que essas coisas venham a ser.) Para a modernidade viver sem coerção é uma possibilidade comparável à que o peixe tem de viver fora de água. O penetrante historiador franco-polaco Krysztof Pomian chamou à Europa uma civilização da transgressão, caracterizada pelo “respeito decrescente perante barreiras, obstáculos, proibições”, uma civilização por isso cujas “fronteiras só existem para ser transgredidas” e que “não só tolera as transgressões enquanto estas permanecem marginais, como as provoca”.
A modernidade é pela sua natureza uma civilização de fronteira, que se recria e rejuvenesce graças a reservas constantes a conquistar e a convites ou pretextos sempre renovados de transgressão. Uma vez que a actividade ordenadora nunca chega a alcançar uma ordem única, una e acabada, e não pode também impedir-se de engendrar lixo ao lado da limpeza, horror ao lado da beleza, ambivalência ao lado da clareza e zonas de confusão ao lado das bem ordenadas, é pouco provável que a reserva dos desafios rejuvenescedores não venha um dia esgotar-se. A energia constituiu, portanto, a obsessão mais avassaladora e a obsessão condutora da civilização moderna – sendo que a energia significa a aptidão para agir, a capacidade de fazer e voltar a fazer com que as coisas mudem, de forçar as coisas ou a tornarem-se diferentes do que são ou a saírem de cena.
É por isso que a consciência moderna é e tem de ser bifronte perante o que se refere ao uso da força, da coerção, da violência. A modernidade autolegitima-se enquanto “processo civilizador” – um processo que avança tornando suave o áspero, benigno o cruel, requintado o tosco. Todavia, como acontece na maior parte dos casos de legitimação, este quadro corresponde mais a um anúncio publicitário do que a uma descrição da realidade. De certo modo, esconde tanto como o que revela. E o que esconde é que só através da coerção que exercem as forças da modernidade mantêm em respeito a coerção que juraram aniquilar, e que o processo de civilização de uns é a incapacitação forçada de outros. O processo de civilização não consiste no arrancar pela raiz, mas na redistribuição da violência.

Neotribalismo – As reservas caracteristicamente pós-modernas de violência são “privatizadas” – dispersas, difusas e fluidas. Penetram também “capilarmente” as mais pequenas células do tecido social. A sua omnipresença tem um efeito duplo e ambivalente: por um lado, há a experiência exaltante da emancipação suprema (celebrada por alguns autores como a entrada na era do “pós-dever” e, por outro lado, o medo obsidiante de um mundo hobbesiano completamente desregulado e incontrolável. Este medo, por seu turno, é o reservatório do qual extrai a sua energia um outro desenvolvimento pós-moderno, o do neotribalismo (mas tenhamos presente que, nos movimentos sociais, como nos automóveis, a espécie do combustível utilizado pelo motor não determina a direcção em que o veículo se move). Uma vez que o Estado vai cedendo a sua função de integração a forças do mercado intrinsecamente desreguladoras e privatizadoras, o terreno abandonado passa a poder ser preenchido por “comunidades”, não tanto “imaginadas” como postuladas, que se apoderam da tarefa posta de parte de fornecer garantias colectivas às identidades privatizadas. O pensamento pós-moderno nada em sonhos de verdades e certezas locais que esperam fazer o trabalho civilizador que as grandes verdades e certezas dos Estados-nação, com as suas pretensões ao papel de porta-vozes da universalidade, não conseguiram levar a cabo: assegurar uma tal unidade de pensamento, sentimento, vontade e acção que qualquer tipo de violência gratuita passasse a ser inconcebível. Mas as comunidades postuladas neotribais esvaziarão decerto essa esperança. O neotribalismo é uma má perspectiva para todos os que desejam ver o discurso e o debate substituir as facas e as bombas como armas de afirmação de si.
Há duas razões maiores para a associação íntima entre as comunidades postuladas neotribais e a violência.
A primeira é o contexto cultural pós-moderno de um sobrefluxo de informação, em que a atenção do público é o mais raro dos recursos e em que o cogito de Descartes foi objecto da reformulação seguinte: “Sou noticiado, logo existo” (definição que pode ser traduzida para efeitos práticos por “Disparo, logo existo”). Quanto mais ruidoso foi o fogo disparado, mais noticiado será, e mais sólida será também a sua existência. Com a atenção do público atordoada e blasée por efeito de diversões cada vez mais abundantes e aterradoras, só choques mais fortes do que os de ontem terão alguma probabilidade de a suscitar. Hoje verifica-se assim uma tendência de reforço da força de choque dos choques, o que com a astúcia, a maldade, o carácter gratuito e a insensatez dos actos violentos pareçam a melhor das estratégias. A “escalada da violência” é um resultado da rápida usura dos choques, sem excluir os mais terríveis nem os mais destrutivos do ponto de vista emocional. Como dizia Lewis Carroll, trata-se de correr o mais depressa possível se quisermos ficar no mesmo lugar… No nosso mundo adicto à sensação, são necessários estímulos cada vez mais fortes para manter a atenção desperta por um pouco mais do que um segundo.
A segunda grande razão é a modalidade existencial das próprias neotribos – enquanto comunidades postuladas, comunidades que, ao contrário das tribos de outrora, não têm instituições estabelecidas, nem “mão morta da tradição”, que mantenham os seus moldes, que as perpetuem e reproduzam. As comunidades postuladas são identidades noch-nicht-geworden: existem apenas conjugadas no futuro – por outras palavras, a sua existência é apenas uma esperança de virem a existir, uma esperança nunca garantida e falha de autoconfiança. Daí o seu nervosismo intrínseco, a sua susceptibilidade e mau humor: bem vistas as coisas, estas comunidades só podem assegurar a sua ainda que breve presença no mundo sob a condição de suscitarem e depois explorarem a lealdade mais intensa por parte dos seus membros. E o método consagrado para a consecução dos seus propósitos é, uma vez mais, a violência – visando alvos ora no exterior, ora portas adentro. Os membros recrutados pelo grupo neotribal devem ser transformados, como recentemente indicaram Ferenc Feher e Agnes Heller, “em fantoches influenciáveis nas mãos dos gurus e, ao mesmo tempo, em secções de assalto agressivas no que se refere ao exterior…”. A tirania mais atroz tem curso a coberto da máscara do martírio. Já E. M. Cioran, com efeito, advertira: “os olhos inflamados são presságio de martírio”, ao mesmo tempo que “nunca estaremos suficientemente a salvo das garras de um profeta”. Quanto mais confusa é a profecia, mais inflamados são os olhos e mais sangrenta será a chacina.

Violência – A violência é o desperdício produtivo da fábrica de ordem – qualquer coisa que não é possível reciclar noutra coisa útil e que é manipulada com as ferramentas disponíveis, mas também qualquer coisa que não entrou nos cálculos dos custos do processo de produção. Se a ordem força as coisas a entrarem na regularidade, a “violência” representa a coerção “irregular”, a força que mina a regularidade aqui e agora, essa regularidade que é um sinónimo da ordem. Esta coerção é a violência. Uma vez que nenhuma ordem é jamais exactamente o que quer ser, uma vez que a ordem de um é a desordem de outro e uma vez que as concepções da ordem mudam, do mesmo modo que os próprios guardiães da ordem, as fronteiras entre as categorias opostas tendem a toldar-se – mas, o que é ainda mais importante, a distinção entre a manutenção da ordem e a violência é alvo de uma contestação que lhe é inerente. Trata-se de uma linha que nunca pode ser traçada definitivamente: as barreiras fronteiriças só se mantêm eficazes enquanto há homens pesadamente armados a guardá-las.

Slavoj Zizek ao El País (16.06.2010)

Los Gobiernos de izquierda tienen todos la misma evolución: provocan, al principio, un cierto entusiasmo: la convicción de que algo cambiará; el capitalismo les permite legalizar el aborto, las bodas homosexuales, asuntos de género. Nunca las reglas del mercado. La solución a esto solo puede llegar, defiende con entusiasmo, "de la izquierda radical, en caso contrario el centro-izquierda tendrá que acabar pactando con los fundamentalistas".


http://www.elpais.com/articulo/cultura/Detras/limpieza/etnica/hay/poeta/elpepucul/20100616elpepicul_2/Tes




magnetismo finisterra

Como se desencadeia o processo de aglomeração e transformação das nossas silenciosas confissões em marulho?