quarta-feira, 27 de abril de 2011

Por um espanto

Nas piores semanas leio um livro; nas melhores nenhum, quatro, cinco ou seis. Nunca li tanto como agora, desde o tempo das aventuras que a minha irmã me trazia da biblioteca à razão de duas por dia. Tenho os meus essenciais e leio tanto para reforçá-los como para os substituir, para não me esquecer deles noutro que procuro. Leio para não me esquecer.
Leio para não me esquecer na roca dos dias, para escapar à minha representação. Somo-nos; não somos. Leio por um espanto. Sublinho, anoto e publico contra o esquecimento. Às vezes escrevo como exercício de consolidação ou de dispersão.
Leio por ressentimento – é o que é – e se escrevo é por vingança. Cada livro abre e deixa um rasto de ignorância. Esta consciência é a única vitória da leitura e dura o tempo de também dela nos esquecermos.
Não sei se leio contra a abnegação, se por ela. Nem sequer sei se a leitura é abnegação já consumada, o esquecimento na sua rememoração. E rio-me no espanto de a cultura vir então a ser o conjunto de jogos / representações com que cada pessoa exercita a sua abnegação, quando não está a exercê-la. A abnegação transferida para aquilo a que cada um toma por seu. Como nos afectos, meu amor.