segunda-feira, 2 de agosto de 2010

"Borges verbal". Jorge Luís Borges (org. Pilar Bravo e Mario Paoletti, Assírio e Alvim, 2002)

“Sustentar a seriedade essencial da poesia é (…) estar do lado de Aristóteles que, já o sabemos, escreveu que a poesia é mais verdadeira que a história; isto é, para mim, nos símbolos da poesia há uma verdade essencial e se essa verdade não existe, os símbolos não valem nada, são meros simulacros de símbolos.”

“A literatura é como uma biblioteca infinita, da qual cada indivíduo só pode ler umas páginas; mas talvez nessas páginas já esteja o essencial, talvez a literatura esteja a repetir sempre as mesmas coisas com uma acentuação, com uma modulação ligeiramente diferente.”

“Que coisa!, essa palavra «cosmética» tem a sua origem em «cosmos». O cosmos é a grande ordem do mundo e a cosmética a pequena ordem que uma pessoa impõe à sua cara. É a mesma raiz: cosmos = ordem.”

“Quando não estamos bem arranjados, sentimo-nos como uma espécie de vagabundos. A pessoa arranjada já pode aspirar à honra, à estima dos outros, talvez à inteligência também.”

“Somente se pode definir o que é abstracto: um polígono ou um congresso. Mas como definir o sabor do café ou essa tristeza agradável dos entardeceres, ou essa esperança sem dúvida ilusória, que se pode sentir de manhã. Definir é exprimir algo em outras palavras e essas outras palavras podem ser menos expressivas que o definido.”

“O essencial é indefinível. Como definir a cor amarela, o amor, a pátria, o sabor do café? Como definir uma pessoa que amamos? Não se pode.”

“Ao adormecer, cada um de nós esquece-se de si mesmo. E ao acordar recorda-se.”

“A literatura fantástica não é uma evasão da realidade, mas ajuda-nos a compreendê-la de um modo mais profundo e complexo.”

“A literatura que se chama existencial não insiste nas capacidades do homem mas nas suas fraquezas, e isso é imoral.”

A extrema-direita e a extrema-esquerda são igualmente partidárias do Estado e da sua intromissão em cada instante da nossa vida.”

“O humor britânico procede da intuição de uma verdade ou, se não receamos as palavras altissonantes, de uma sabedoria. O engenho francês costuma ser verbal. E isso que se chama «o engenho espanhol» é uma forma de trocadilho; procede de acasos fonéticos.”

“Alguém escreveu que era «um lugar-comum» de Ibsen ele ter dito que cada um deve viver a sua vida. É um lugar-comum porque a ideia de Ibsen teve êxito, mas realmente Ibsen em Casa de Bonecas apresentou o caso de uma mulher que abandona o marido e os filhos não porque tem um amante, isso teria sido aceite pela sua época, mas porque não quer ser um objecto de luxo, quer viver a sua própria vida. Essa foi uma ideia tão revolucionária, com tanto êxito que agora é um lugar-comum isso de viver a própria vida; e daí o perigo do drama com tese: se a tese fracassa, o drama é inútil, e se a tese tem êxito o drama é supérfluo.”

“Sempre que se pergunta a alguém que livro levaria para uma ilha deserta, responde que o D. Quixote. Mas acontece que, se se tem umas férias de Verão de vinte dias, ninguém o leva…”

“Não gosto [da Ilíada]. A sua personagem central parece-me um parvo. Quero dizer que não se pode admirar um homem como Aquiles -, não? Um homem continuamente mal-humorado, zangado porque as pessoas foram injustas com ele, e que acaba por enviar ao pai o cadáver do homem que matou.”

“(…) Se uma gata parisse dentro de um forno -, você chamaria ao que ela parisse gatinhos ou pães?”

“Descobri com horror que os adjectivos se conjugam, que mudam conforme se referem a um facto presente, um facto passado ou um facto futuro. E isso aprende-o uma criança japonesa sem se aperceber de que está a aprender alguma coisa muito, muito complexa.”

“O meu poema “Limites” (Para sempre fechaste alguma porta / e há um espelho que te aguarda em vão…) corresponde a uma experiência que toda a gente teve: o facto de que, quando se chega a uma certa idade, executa muitos actos pela última vez. Eu cheguei a sentir isso. Eu era um velho e, ao olhar a biblioteca, pensei: quantos livros há que eu li e não voltarei a ler; e também a ideia de que quando nos encontramos com uma pessoa equivale a uma despedida possível, já que talvez não voltemos a vê-la. Isto é: estamos a dizer adeus às pessoas e às coisas continuamente, e não sabemos.”

“Quando morre a mãe, todos os filhos sentem que a aceitaram como se aceita a Lua ou o Sol ou as estações do ano, e que abusaram dela. Antes, creio que não se dá por isso.”

“A história é a nossa imagem da história. E essa imagem melhora sempre, tende para a mitologia, para a lenda. Além disso, cada país tem a sua mitologia privada; a história de cada país é uma carinhosa mitologia que talvez não se pareça em nada com a realidade.2

Enamorei-me, às vezes, de pessoas culturalmente muito limitadas e essas relações foram desastrosas. (…) Aqui posso recordar Nietzsche, escritor que não é da minha devoção. Disse: «O matrimónio é uma longa conversa.»”

“Todas as palavras foram, alguma vez, um neologismo.”

“Não me lembro se há paisagens no Quixote. Não sei se chove alguma vez no romance, creio que não. O escritor documentado é uma invenção do romance francês do século XIX. Esse escrúpulo corresponde a Flaubert e não a Cervantes.”

“[Os países] são superstições ou convenções. O que é real são somente os indivíduos. Por isso toda a história universal é falsa. […] Infelizmente para os homens, o planeta foi dividido em países, cada um provido de lealdades, de queridas lembranças, de uma mitologia particular, de direitos, de agravos, de fronteiras, de bandeiras, de escudos e de mapas. Enquanto durar este arbitrário estado de coisas, serão inevitáveis as guerras.”

“Talvez por um princípio de consciência literária, desde menino preferi dizer pai e mãe em lugar de papá e mamã, palavras ridículas, oficiais e frias. É impensável uma oração que diga: «Papá nosso que estais nos céus…».”

“Conheço muitas pessoas que foram psicanalisadas e estão a vigiar-se dia e noite. Por exemplo, uma senhora (de cujo nome não quero lembrar-me): se me encontro com ela e lhe pergunto como se sente, responde-me: «Hoje sinto-me deprimida» ou «Hoje sinto-me menos deprimida»… (…) É uma ciência totalmente hipotética. Como pode basear-se uma ciência no que lembra ou deixa de lembrar uma pessoa? (…) É uma ciência baseada na vaidade das pessoas. Toda a gente gosta de falar de si mesmo e que o levem a sério.”

“Os meus sonhos, as minhas fantasias são tão reais como a própria realidade. Creio sinceramente que com o decurso do tempo o presente torna-se passado, o passado transforma-se em memória e a memória é sempre inventiva. Ao fim e ao cabo, tudo é mitológico e místico. E bem, decidi ser místico a partir de agora.”

“Não sei até que ponto um escritor pode ser revolucionário. Antes de mais, está a trabalhar com o idioma, que é uma tradição.”

“Qualquer pessoa pode pôr-me numa cadeia, pode desterrar-me ou pode matar-me, mas fazer-me sofrer intimamente isso apenas podem fazê-lo as pessoas a quem eu quero. Se eu quero muito a uma pessoa, e essa pessoa não me quer, destrói-me tanto mais quanto mais eu a amo.”

“Agora as pessoas não tendem a ascender, mas antes todos a cair, a descer na escala social. Creio que todo o país está em decadência, a decair. E, como o espaço é infinito, certamente continuaremos a cair indefinidamente.”

“Apollinaire disse que o tempo da rima tinha passado. Tinha razão quanto a ele mesmo, posto que ele podia fazer admiráveis versos livres. (Mas) se Victor Hugo tivesse dito o mesmo tinha-se enganado, porque ele podia rimar de uma maneira que me parece muito bela. As teorias […] dependem do génio de cada poeta. É inútil discutir uma teoria estética. É preciso ver que objecto ela serviu.”

“A vingança é inútil e é cruel e absurda. A única vingança verdadeira é o esquecimento. E o perdão.”

(Os destaques em bold foram colocados por mim, substituindo deste modo os verbetes originais, que não aprecio.)