domingo, 31 de julho de 2011

Octavio Paz e o todo

"Ao nascer, fomos arrancados da totalidade; no amor, todos nos sentimos regressar à totalidade original. Por isto, as imagens poéticas transformam a pessoa amada em natureza - montanha, água, nuvem, estrela, selva, mar, onda - e, por sua vez, a natureza fala como se fosse mulher. Reconciliação com a totalidade que é o mundo. Também com os três tempos. O amor não é a eternidade; tão-pouco é o tempo dos calendários e dos relógios, o tempo sucessivo. O tempo do amor não é grande nem pequeno: é a percepção instantânea de todos os tempos num único, de todas as vidas num instante. Não nos liberta da morte, mas faz-nos vê-la cara a cara. Esse instante é o reverso e o complemento do «sentimento oceânico». Não é o regresso às águas da origem mas a conquista de um estado que nos reconcilia com o exílio do paraíso. Somos o teatro do abraço dos opostos e da sua dissolução, resumidos numa única nota que não é de afirmação nem de negação, mas de aceitação. Que vê o casal no momento de um bater de pálpebras? A identidade do aparecimento e do desaparecimento, a verdade do corpo e do não-corpo, a visão da presença que se dissolve num esplendor: vivacidade pura, pulsação do tempo."

In A chama dupla. Octavio Paz, Assírio & Alvim, 1995.

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