domingo, 2 de janeiro de 2011

Do extermínio. Jaime Rocha (Relógio d´Água, 2003)

19.

Só o silêncio é capaz de ocupar essa visão do espelho.
Um homem está morto dentro de um pássaro
e é o seu corpo que se vê através da luz.
Um anjo sai do chão ao seu encontro,
descreve uma curva sobre a sua roupa
e depois transforma-se numa espiral de fogo.
Faz um único gesto. Tal como o pássaro,
o seu nome está inscrito numa rua da cidade,
mas as letras desapareceram no instante do olhar.

*
24.

Tudo está a ser desenhado por um arquitecto.
Primeiro as casas, depois os homens. E só então
se define o leito de todas as mortes. Os pássaros
removem a palha por entre os tijolos, enquanto
o arquitecto olha para o espelho e revê a cidade
antiga. Como o reflexo acaba nas margens do vidro,
ele constrói para cima em direcção ao sol até que
os prédios ardam e as cinzas transformem o chão
numa cintura de veludo.

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