terça-feira, 22 de junho de 2010

amor

Não existe um maior número de pessoas a atingir mais vezes os elevados padrões do amor: o que acontece é que esses padrões estão mais baixos. Como resultado, o conjunto de experiências às quais nos referimos através da palavra “amor” expandiu-se muito. Noites avulsas de sexo são descritas por meio da expressão “fazer amor”.

O conhecimento que se amplia juntamente com a série de eventos amorosos é o conhecimento do “amor” como uma série de episódios intensos, curtos e chocantes, desencadeados pela consciência a priori da sua própria fragilidade e curta duração.

Não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra o seu significado, mas no estímulo a participar da génese dessas coisas.

Em todo o amor há pelo menos dois seres, cada um deles a grande incógnita na equação do outro. É isso que faz o amor parecer um capricho do destino – aquele futuro estranho e misterioso, impossível de ser descrito antecipadamente, de ser realizado ou protelado, acelerado ou interrompido. Amar significa abrir-se ao destino, à mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde com o regozijo numa amálgama irreversível. Abrir-se ao destino significa, em última instância, admitir a liberdade no ser: aquela liberdade que se incorpora no Outro, o companheiro no amor.
E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A promessa de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a “experiência amorosa” à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço.

Sem humildade e coragem não há amor. Estas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e por cartografar. E é a esse território que o amor conduz quando se instala entre dois ou mais seres humanos.

[Citando Levinas,] Eros é “uma relação com a alteridade, com o mistério, ou seja, com o futuro, com o que está ausente do mundo que contém tudo o que existe”. “O pathos do amor consiste na intransponível dualidade dos seres.” Tentativas de superar essa dualidade, de abrandar o obstinado e domar o turbulento, de tornar prognosticável o incognoscível e de acorrentar o nómada – tudo isto tem o som do dobre de finados para o amor. Eros sobrevive à dualidade. Quando se trata de amor, posse, poder, fusão e desencanto são os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.
Nisto reside a assombrosa fragilidade do amor, lado a lado com a sua maldita recusa em suportar com leveza a vulnerabilidade. Todo o amor se empenha em subjugar, mas quando triunfa encontra a derradeira derrota. Todo o amor luta para enterrar as fontes da sua precariedade e incerteza, mas, se obtém êxito, rapidamente enfraquece – e definha. Eros é possuído pelo fantasma de Tanatos, que nenhum encantamento mágico é capaz de exorcizar. A questão não é a precocidade de Eros e não há instrução ou expedientes autodidácticos que possam libertá-lo da sua mórbida – e suicida – inclinação.
Eros move a mão que se estende na direcção do outro – mas mãos que acariciam também podem prender e esmagar.

Não importa o que aprendemos sobre o amor e o amar; a nossa sabedoria só pode vir, tal como o Messias de Kafka, um dia depois da sua chegada.

O amor é uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável.

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