segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

As palavras transferidas. XV - Isolamento de contacto

Ainda há quem estreie a roupa ao domingo e espere visitas
para o desfile da múmia, a encenação das criaturas renascidas.
Nos hospitais, as manhãs internam-se debaixo do chuveiro
devagar entre os pensos e as veias puncionadas,
à vista um pijama pronto pendurado na porta.
À tarde vem a família junto à cama com as histórias possíveis,
luvas e batas descartáveis para que não se contaminem mais
do que com o silêncio que levarão para casa mais a roupa suja.
A vida não é fiável, diremos
depois do amor e das outras operações urgentes.

É como um velho estreando roupa ao domingo:
arruma-se alegre ao espelho
enquanto entrevê dali o saco no fundo do armário
com pijama, cuecas e chinelos à cautela,
ou discreto, no cabide, o fato que escolheu
para o mais prolongado isolamento de contacto.

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