quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Livro da noite. Per Aage Brandt (Quetzal, 2004)

quando duma coisa
decorre outra
e desta decorre
outra vez a primeira
então a primeira
não vale a pena

*

o homem é um hóspede efémero da terra,
pensava o poeta asteca, mas um hóspede
nem sempre é um homem aqui na terra;
na rua, num país estrangeiro, na cama de alguém,
acontecem coisas estranhas, um coração é uma
arma eficaz, e (citação) de qualquer modo morreremos,
abandonando-nos uns aos outros, abraçados, com a língua na
orelha
de um corpo que vibra de prazer ou se alonga num grito de
guernica,
depois do encontro com alguém que passou
e desapareceu ou tomou a decisão de ficar

*

nós somos assaz complexos e por isso
deprimidos no limite do existencial, é impossível
dizer o que qualquer coisa significa, além do que significa,
e isso torna-nos assas complexos, sabemos, e isso entristece-nos
tanto que é impossível dizê-lo, o que nos vai tornar
eminentemente
existenciais, congratulando-nos muito com isso, na catedral
apertamos
as mãos e agradecemos a indizibilidade de cada um, depois
tomamos o rumo
da cidade para ver os saltimbancos no mercado efervescente,
feito
de mistérios de cores dominicais, relíquias, atiradores de tartes
e macacos de realejo, postais, músicos constipados, alguns
poetas que rimam por encomenda e pares de apaixonados,
confundidos num único abraço, enquanto é tempo,
e o ser permanece: o real ainda é possível

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