segunda-feira, 23 de maio de 2011

O pai dos Turcos


“Foi no caminho para Üsküdar que tive a percepção do que até aí me aborrecia na Turquia. O pai dos Turcos, que é o que o seu apelido significa, foi Mustafá Kemal Atatürk, e, seja onde for que se vá na Turquia, vêem-se fotografias, retratos e estátuas dele; está em cartazes, em selos, em moedas – sempre o mesmo perfil contraído de banqueiro. O seu nome é dado a ruas e praças e entra em quase todas as conversas que se têm no país. O rosto tornou-se emblemático, em forma de estrela amolecida, com as sugestões de um nariz e um queixo, e é omnipresente como o carácter simplificado que os chineses usam para espantar diabos. Atatürk chegou ao poder em 1923, declarou a Turquia uma república, e, por via da modernização, encerrou todas as escolas religiosas, dissolveu ordens dervixes e introduziu o alfabeto latino e o código civil suíço. Morreu em 1938 e foi essa a minha percepção: a modernização parou na Turquia com a morte de Atatürk, às nove horas e cinco minutos de 10 de Novembro de 1938. Como que para demonstrar isso, o quarto em que morreu está como o deixou e todos os relógios do palácio estão nas 9h05. Isto parecia explicar a razão pela qual os Turcos se vestem tipicamente como se vestiam as pessoas em 1938, com camisolas castanhas peludas e meias com padrão de losangos, com calças largas listradas e fatos azuis de sarja com ombros enchumaçados, ostentando lapelas que parecem asas e um lenço de três pontas no bolso de lenço. O cabelo é ondulado, com brilhantina, e o bigode, encerado. […] Isto tudo leva uma pessoa à conclusão inevitável de que, se o zénite da elegância otomana foi o reinado no século XVI de Suleimão o Magnífico, a maré alta da elegância moderna foi em 1938, quando Atatürk ainda estava a moldar a moda turca com base nos tímidos modelos do Ocidente.”

in O Grande Bazar Ferroviário, Paul Theroux (Quetzal, 2011).
Ao alto, a minha fotografia da imagem do rosto de Atatürk. Tirada em 15 de Maio 2011, num miradouro de Antalya.

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