domingo, 27 de fevereiro de 2011

Prostração. Rita Beja (Corpos Editora, 2005)

II

tudo se resume à terra gasta
os lírios
o berço das águas
o pó dos homens

desci do alto
ilusões de um dia
sem nome
sem data

só a certeza aumenta a fasquia
e me faz querer viver depressa

compreendo a indiferença
um quase medo
como um pêndulo no caule
das flores em fim de estação

e nada mais interessa
quando se inala a tristeza
de um dia de aniversário

rapidamente tornarei aos peixes
e verei nas escamas
o crude de minha vestimenta

encantamento? Talvez um dia
e talvez esse dia perdure
talvez nunca chegue

morro e renasço vezes sem conta
e a dor do repasto
tornou-se um hábito frequente

tiro fotografias aos mortos
devoro-lhes o último foco de energia
evoco um cântico
quase celeste
quase platónico

faço-os vibrar de dentro do húmus
a última valsa antes do retomar do ciclo

também o seguirei
também celebrarei as estações

doando aos juncos um novo banco
de rio
doando às cotovias a minha voz
também elas cantarão os mortos

tudo se resume à terra gasta

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