segunda-feira, 30 de agosto de 2010

"Rumo a um saber sobre a alma". ("A metáfora do coração e outros escritos", Maria Zambrano, Assírio e Alvim, 2000).

“«Tudo passa» seria o grande consolo quietista, se nós não passássemos igualmente, se com o tempo que passa não passasse também a nossa própria vida. Agarrando-nos à verdade, à nossa verdade, associando-nos ao seu descobrimento por a ter acolhido no nosso interior, por ter harmonizado a nossa vida com ela, enraizando-a no nosso ser, sentimos que o nosso tempo não passa, pelo menos, em vão. Algo do seu passar fica, como no fluir da água no rio, que passa e fica. «Tudo passa», corre a água do rio mas o álveo e o próprio rio permanecem. Mas é preciso que haja álveo, e o álveo da vida é a verdade. […] E é um bem que a vida se nos precipite a correr, a fuga do simples permanecer físico a cair nos seios do tempo, a angústia de passar transforma-se em prazer de caminhante.”

“Há duas maneiras de reagir perante os pensamentos que são bocados ou parte de outro pensamento mais radical, ainda desconhecido; uma é permanecer insensível perante a verdade que eles assinalam; outra, dar conta, por uma sensibilidade nascida da necessidade que temos dessa verdade, de que está ali, e não poder, contudo, encontrá-la. É o conhecimento que dá a sede para nos agarrarmos à rocha sob a qual mana a água, sem poder desfazê-la para que saia à superfície.”

“Quantos saberes, resultado de uma vida de luta com as paixões, terão ficado no silêncio por falta de horizontes racionais onde acolher-se, por falta de coordenadas adequadas a que referir-se!”

“É um banho cósmico, uma imersão da alma com a vida. «As situações de máxima exaltação corporal trazem consigo um delicioso aniquilamento na unidade cósmica.» (Ortega y Gasset: Vitalidad, Alma, Espíritu.) A orgia é uma reconciliação da alma que sofre ao começar a sentir-se a si mesma, com a natureza; é uma chamada aos poderes cósmicos que o homem faz quando lhe doem as entranhas da sua vida. É um regresso às fontes originárias da vitalidade para se limpar das sombras do seu interior, de algo que começa a sentir como seu, aposento de silêncio e solidão.
Porque toda a solidão foi sentida num princípio como um pecado, como algo do qual se sente remorsos. Cada distância que o homem conquista em relação ao resto do universo cria-lhe uma solidão que ao princípio lhe infunde terror e remorso. E da solidão recém-conquistada, retrocede a abraçar-se com o que acaba de deixar.
Assim, a alma grega, quando começava a sentir-se separada do cosmos, socorre-se das celebrações de Elêusis e do culto a Dioniso, em busca de uma reconciliação, com a esperança de se livrar das suas dores; também com a alegria de quem se reencontra com as suas origens. Orgia, purificação, abandono por um momento das dores da solidão nascente.”

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