
Santa Sofia é um colosso de uma igreja, com trezentos ou quatrocentos anos, e suficientemente feia para ser muito mais velha. Diz-se que a sua imensa cúpula é mais maravilhosa do que a da Catedral de São Pedro, mas a sua sujidade é muito mais prodigiosa do que a sua cúpula, embora nunca falem dela. A igreja tem cento e setenta pilares, cada um deles feito numa única peça, todas elas de mármores dispendiosos de várias qualidades – mas vieram de templos antigos de Baalbek, Heliópolis, Atenas e Éfeso, e são umas ruínas completas, feias e repugnantes. Já tinham mil anos quando esta igreja era nova e, nessa altura, deviam produzir um contraste horrível – se é que os arquitectos de Justiniano não lhes limparam a cara. No interior, a todo o diâmetro da abóbada lê-se uma inscrição em caracteres turcos, trabalhada em mosaicos dourados, que parece tão espampanante como um letreiro de circo; os pavimentos e as balaustradas de mármore estão num estado lastimável e sujo; por toda a parte, a perspectiva é toldada por uma teia de cordas suspensas das alturas vertiginosas da cúpula, de onde se penduram inúmeras lamparinas de óleo corroídas e miseráveis, e ovos de avestruzes, a seis ou sete pés do chão. Turcos esfarrapados agachavam-se e sentavam-se por toda a parte a ler livros, a ouvir sermões, ou a receber lições como gaiatos, e havia outros tantos em mais de cinquenta sítios a curvar-se e a endireitar-se, e a curvar-se novamente, e a prostrar-se aos beijos no solo, sempre a murmurar preces, e a fazer esta ginástica até ficarem certamente muito cansados.
Por todo o lado, grassava a sujidade e o pó e o desmazelo e a escuridão; por todo o lado, havia sinais de uma antiguidade ancestral, mas sem nada de emocionante ou de belo; por todo o lado, os mesmos grupos de grandessíssimos pagãos; por cima, os mosaicos variegados e a teia de cordas dos candelabros; e em parte nenhuma, nem uma só coisa que nos conquistasse a afeição ou a admiração.
A Viagem dos Inocentes. Mark Twain, Quetzal, 2011.
Fotos: Mesquita de Santa Sofia. 17.05.2011.
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