domingo, 22 de dezembro de 2013
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
Não chegar tarde
O reboco das paredes deste prédio
é composto por fragmentos cortantes
de tudo quanto em vida os moradores despedaçaram
e de que forçosamente prescindiram.
Se um vizinho escreve este aviso
é porque numa noite prescindiu também da mão
com que acendeu a luz.
é composto por fragmentos cortantes
de tudo quanto em vida os moradores despedaçaram
e de que forçosamente prescindiram.
Se um vizinho escreve este aviso
é porque numa noite prescindiu também da mão
com que acendeu a luz.
Deslembrando César
Se a César o que é de César, não comereis senão salada.
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
A História é
"A História é uma câmara de reanimação e é fácil errar nas doses e mandar desta para melhor os pacientes que se queria salvar."
Claudio Magris, Às Cegas (Quetzal, 2012, pág. 24)
Claudio Magris, Às Cegas (Quetzal, 2012, pág. 24)
sexta-feira, 14 de junho de 2013
As palavras transferidas. XVI - Última infância
Podem morrer-me os livros nas mãos
da noite inaugurais como as manhãs que já não vêm.
Dos bons livros aprendi somente as ciências falíveis e as tabuadas de acaso
e caso me perguntem por elas, direi que esqueci
da própria geometria do esquecimento
planando redundâncias sobre os grandes mestres.
Podem morrer-me os livros nas mãos.
O prazer do jogo esconde a sua privação,
inexprimível, patética,
o ajuste indizível da carne no golpe,
a implosão silenciosa da infância.
Podem morrer-me os livros nas mãos.
Podem morrer-me os livros nas mãos que a criança não volta.
da noite inaugurais como as manhãs que já não vêm.
A mão esfria de folhear cabelo a cadáver.
Ler é ofício côncavo, uma mão a pedir esmola,
outra farta vilanagem a dobrar cada esquina de papel.
Ler é pouco menos que vaidade de profanar cemitérios.Ler é ofício côncavo, uma mão a pedir esmola,
outra farta vilanagem a dobrar cada esquina de papel.
Dos bons livros aprendi somente as ciências falíveis e as tabuadas de acaso
e caso me perguntem por elas, direi que esqueci
da própria geometria do esquecimento
planando redundâncias sobre os grandes mestres.
Podem morrer-me os livros nas mãos.
O prazer do jogo esconde a sua privação,
inexprimível, patética,
o ajuste indizível da carne no golpe,
a implosão silenciosa da infância.
Podem morrer-me os livros nas mãos.
Podem morrer-me os livros nas mãos que a criança não volta.
quinta-feira, 13 de junho de 2013
Como ler um escritor
"[...] um leitor procurar num escritor, ou na sua obra, soluções para os seus problemas é uma invasão de privacidade. Eis a falácia subjacente a qualquer entrevista ou nota biográfica sobre um autor: aproximar demasiado a vida da obra, ou acreditar que um romance pode substituir os erros que uma pessoa tem de cometer na vida para aprender a sobreviver devidamente ou talvez até a ser feliz."
John Freeman em Como ler um escritor. (Tinta-da-china, 2013.)
John Freeman em Como ler um escritor. (Tinta-da-china, 2013.)
sábado, 8 de junho de 2013
A crise para totós
"Com efeito, a verdadeira solução para a crise da dívida é o crescimento, que pressupõe investimentos concorrenciais, os quais exigem infra-estruturas públicas. O desaparecimento da má dívida pressupõe, pois, o crescimento da boa dívida."
Jacques Attali, "Estaremos todos falidos dentro de dez anos? - Dívida pública: a última oportunidade" (Alêtheia Editores, Agosto 2010).
Jacques Attali, "Estaremos todos falidos dentro de dez anos? - Dívida pública: a última oportunidade" (Alêtheia Editores, Agosto 2010).
Duas conclusões sobre a Granta 1
1. "A vida é um tédio quando não há histórias para ouvir nem nada para ver." (Pág. 237, Orhan Pamuk in Gente Famosa.)
2. Contra todas as expetativas, a Granta mostra que o agora maiúsculo Valter Hugo Mãe afinal sai ao pai. (Pág. 296.)
2. Contra todas as expetativas, a Granta mostra que o agora maiúsculo Valter Hugo Mãe afinal sai ao pai. (Pág. 296.)
sexta-feira, 5 de abril de 2013
Antes morrer
Eu sei: há palavras grandiosas
pelas quais se pode morrer.
Essas palavras inflamam
e a calma é cobardia
quando toca a reunir
sob as bandeiras regimentais.
Mas quem quer que conheça as velhas mães
deixadas entregues a si próprias
e os filhos sem pais
não acredita em nada do que dizem.
Eu sei: há grandes atos
e muitos exigem sacrifícios.
Eu sei: há atos heroicos
usados para consagrar
os ganhos de guerras inúteis
em longas tréguas.
Mas quem quer que tenha visto, de longe,
catedrais em ruínas
e cidades esmagadas em chamas
já não acreditará neles.
Eu sei: há grandes homens
com reivindicações de imortalidade.
Inscreveram-se nas épocas com o seu sangue;
e há um número mais do que suficiente deles
nos cemitérios de todos os países
à sombra de ilustres tílias.
Mas quem quer que tenha visto,
sob a espada ensanguentada,
o ferido a contorcer-se em agonia
conhece-as ainda melhor.
Eu sei: sou uma minúscula insignificância,
miserável e talvez desprezível.
Eu sei: estas minhas palavras
são um veneno perigoso
que pode envenenar
a vossa pomposa canção.
E, no entanto, antes morrer
com o vosso cuspo no meu rosto,
antes morrer como um cobarde
do que ter sangue nas minhas mãos.
Escrito por uma jovem desconhecida, à beira da câmara de gás. In Paisagens da Metrópole da Morte (Otto Dov Kulka, Temas e Debates, Abril 2013).
pelas quais se pode morrer.
Essas palavras inflamam
e a calma é cobardia
quando toca a reunir
sob as bandeiras regimentais.
Mas quem quer que conheça as velhas mães
deixadas entregues a si próprias
e os filhos sem pais
não acredita em nada do que dizem.
Eu sei: há grandes atos
e muitos exigem sacrifícios.
Eu sei: há atos heroicos
usados para consagrar
os ganhos de guerras inúteis
em longas tréguas.
Mas quem quer que tenha visto, de longe,
catedrais em ruínas
e cidades esmagadas em chamas
já não acreditará neles.
Eu sei: há grandes homens
com reivindicações de imortalidade.
Inscreveram-se nas épocas com o seu sangue;
e há um número mais do que suficiente deles
nos cemitérios de todos os países
à sombra de ilustres tílias.
Mas quem quer que tenha visto,
sob a espada ensanguentada,
o ferido a contorcer-se em agonia
conhece-as ainda melhor.
Eu sei: sou uma minúscula insignificância,
miserável e talvez desprezível.
Eu sei: estas minhas palavras
são um veneno perigoso
que pode envenenar
a vossa pomposa canção.
E, no entanto, antes morrer
com o vosso cuspo no meu rosto,
antes morrer como um cobarde
do que ter sangue nas minhas mãos.
Escrito por uma jovem desconhecida, à beira da câmara de gás. In Paisagens da Metrópole da Morte (Otto Dov Kulka, Temas e Debates, Abril 2013).
Escrito a lápis no vagão fechado
aqui nesta carrada
estou eu eva
com abel meu filho
se vires o meu outro filho
caim filho do homem
diz-lhe que eu.
Dan Pagis, citado por Otto Dov Kulka in Paisagens da Metrópole da Morte (Temas e Debates, Abril 2013, pág. 38).
estou eu eva
com abel meu filho
se vires o meu outro filho
caim filho do homem
diz-lhe que eu.
Dan Pagis, citado por Otto Dov Kulka in Paisagens da Metrópole da Morte (Temas e Debates, Abril 2013, pág. 38).
segunda-feira, 11 de março de 2013
Percorri, com crescente velocidade, as ruas e praças desertas.
"Percorri, com crescente velocidade, as ruas e praças desertas. O cansaço depôs-me numa esquina. Vi uma gasta grade de ferro; por trás vi os ladrilhos pretos e brancos do átrio da Concepción. Tinha vagabundeado em círculo; agora estava a um quarteirão da taberna onde me tinham dado o Zahir.
Virei; a esquina às escuras indicou-me, de longe, que a taberna estava fechada. Na Rua Belgrano apanhei um táxi. Insone, possesso, quase feliz, penso que não há nada menos material que o dinheiro, visto que qualquer moeda (uma moeda de vinte centavos, digamos) é em rigor um repertório de futuros possíveis. O dinheiro é abstrato, repeti, o dinheiro é tempo futuro. Pode ser uma tarde fora de portas, pode ser música de Brahms, podem ser mapas, pode ser xadrez, pode ser café, podem ser as palavras de Epicteto, que ensinam o desprezo do ouro; é um Proteu mais versátil que o da ilha de Faros. É tempo imprevisível, tempo de Bergson, não o duro tempo do islão ou do Pórtico. Os deterministas negam que haja no mundo um só facto possível, id est um facto que pode ter acontecido; uma moeda simboliza o nosso livre-arbítrio."
Jorge Luis Borges, de"O Zahir", em O Aleph, Quetzal, 2013.
Virei; a esquina às escuras indicou-me, de longe, que a taberna estava fechada. Na Rua Belgrano apanhei um táxi. Insone, possesso, quase feliz, penso que não há nada menos material que o dinheiro, visto que qualquer moeda (uma moeda de vinte centavos, digamos) é em rigor um repertório de futuros possíveis. O dinheiro é abstrato, repeti, o dinheiro é tempo futuro. Pode ser uma tarde fora de portas, pode ser música de Brahms, podem ser mapas, pode ser xadrez, pode ser café, podem ser as palavras de Epicteto, que ensinam o desprezo do ouro; é um Proteu mais versátil que o da ilha de Faros. É tempo imprevisível, tempo de Bergson, não o duro tempo do islão ou do Pórtico. Os deterministas negam que haja no mundo um só facto possível, id est um facto que pode ter acontecido; uma moeda simboliza o nosso livre-arbítrio."
Jorge Luis Borges, de"O Zahir", em O Aleph, Quetzal, 2013.
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